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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

CONTANDO HISTÓRIA

- O CRUCIFIXO DE CRUZETA -
                     José de Anchieta Ferreira

No já distante mês de setembro de 1938, uma jovem, nos seus dezoito anos de idade, acompanhada do irmão, chega à vila de Cruzeta, então município de Acari, Rio Grande do Norte, encarregada de estranha missão. Desconheciam o lugar e qualquer pessoa da vila, mas ela trazia na lembrança as pessoas que deveria procurar e a tarefa a executar nos mínimos detalhes. Só assim, conhecendo as menores particularidades, poderia retirar de sob as águas do leito enlameado do açude, um valioso crucifixo de platina. O açude, inaugurado em 1929, e que dera o nome ao povoado, inundara o antigo cemitério, no qual, nas caladas da noite, há 44 anos, fora enterrado um marchante, assassinado por um seu colega de profissão. No bolso, a vítima portava um cruxifixo ignorado pelo assassino. E a paraibana viera resgatá-lo, cumprindo um insistente pedido do morto, que lhe aparecia em visitas inesperadas. A princípio, ficara preocupada, mas habituara-se com a sua repetição, que se prolongara até aquela data, ano de mau inverno, para lhe dizer que chegara a ocasião para a viagem.
Seguindo determinação do finado marchante, os dois irmãos hospedaram-se na residência do casal Tomaz Paulino e D. Maroquinha, os quais, atualmente nonagenários, descrevem com minúcia "essa história que a gente não esquece e que nos impressionou". Outra testemunha fora D. Alice Gurgel, viúva do Dr. Antídio Guerra, então Chefe da Estação Experimental do Seridó, em Cruzeta, que recorda: "Eu e Donzila conversamos com a moça. Perguntei-lhe o que sentia quando vi o espírito. A princípio disse ela, sentia muito medo, mas,  com o tempo foi se habituando até conversar com ele naturalmente".

A notícia espalhou-se depressa e um pequeno ajuntamento de curiosos já se encontrava às margens da repressa, que se alongava com a estiagem, quando a moça, o delegado José Luiz e o Sr. Tomaz acomodaram-se numa canoa movida a remo, acompanhada por outra levando o comerciante João Lopes e o jovem Sinval Azevedo que, anos depois, seria Prefeito de Cruzeta já elevada à categoria de cidade. Facilitados pelas águas paradas do açude, os dois pequenos barcos não demoraram a chegar ao local onde o Sr. Paulino presumira encontrar-se o cemitério submerso. Mas, para espanto dos acompanhantes, a paraibana de Soledade discorda e, apontando para outra direção declara: "Ele está dizendo que o lugar é alí". No ponto indicado, ela desce com água um pouco acima dos joelhos, e deixando transparecer na fisionomia compreensível ansiedade, ela apalpa o leito raso do açude, mas só lama corre entre seus dedos. Inesperdamente, seu braço é levemente desviado como se alguém o puxasse, levando direto ao crucifixo facilmente identificado pela apalpação.
O misterioso achado é objeto de incontida curiosidade. Discutem inclusive o seu valor material, chegando o Sr. Bila a pesá-lo na balança da sua farmácia,. Os moradores do lugar, liderados pelo Padre Ambrósio da Silva não querem deixá-lo sair de Cruzeta. A possibilidade de perdê-lo assusta a paraibana. Amedrontados, os dois irmãos, na manhã seguinte, ainda no escuro, passam pelas ruas desertas da vila e desaparecem na estrada de regresso a Soledade, para grande frustação do Padre Ambrósio, que desejava ver o crucifixo no altar-mor da igreja de Nossa Senhora dos Remédios, padroeira de Cruzeta.
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Fato narrado no livro "HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NA HISTÓRIA", de autoria do Professor José de Anchieta Ferreira - Editado pela RN Gráfica e Editora Ltda - Natal - RN - 1989.

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