A LUTA CONTINUA!

biraviegas@bol.com.br

domingo, 3 de março de 2013

É HISTÓRIA

A MORTE DO DEPUTADO PEDRO MATOS
Angicos (RN) – Ano de 1936.

DEPOIMENTO DO EX-GOVERNADOR ALUIZIO ALVES SOBRE O ACIDENTE QUE PROVOCOU A MORTE DE DR. PEDRO MATOS

           O Capitão Inácio Vale governou Angicos (RN), duas vezes: a primeira vez, não lembro bem; a segunda, após o ano de 1930, bem mais velho, porém sempre enérgico. Lá em Angicos havia ladrão de bode, ladrão de gado e ele, sempre que prendia os ladrões e depois os soltavas, raspava-lhe a cabeça. Era um negócio meio ingênuo, talvez, mas o que é certo é que ele deixou esta tradição. Anos depois, em 1936, ele voltou a ser delegado de Angicos. Mais velho e calmo, mas sempre muito enérgico e atento aos seus deveres. Numa certa manhã, estávamos na casa do Prefeito Baltazar Pereira (que é hoje a casa onde mora Francisco Torres, devidamente reformada e melhorada), na praça principal, e íamos assistir em Afonso Bezerra ao enterro do velho José Clementino, o chefe do Partido Popular naquele distrito. Saímos de automóvel, Baltazar Pereira, Pedro Matos (era deputado estadual e advogado, e fora a Angicos para atender a um mister profissional), eu e o Capitão Inácio Vale. Eu era estudante, deveria ter uns quinze anos e ia fazer o discurso no enterro do correligionário. Quando chegamos ao rio, o carro se quebrou e então nós voltamos a pé. Era pertinho. Voltamos a pé para a casa de Baltazar, enquanto o mecânico foi chamado e consertava o carro para nós prosseguirmos a viagem. O enterro estava previsto para as 11:00h., mais ou menos. Na casa de Baltazar, Pedro Matos, se sentou numa cadeira de balanço; em frente a ele, o Capitão Inácio Vale; eu, em pé, ao lado da cadeira de Pedro Matos, com o braço sobre o espaldar da cadeira, e Baltazar Pereira numa outra cadeira. Começou uma conversa sobre armas. Pedro Matos tinha mania por armas. Ele comprava, vendia e trocava revólveres. Há pessoas que gostam. Eu, por exemplo, não gosto. Nunca usei uma arma, mas há pessoas que têm mania por armas. Então Pedro Matos disse ao Capitão que tinha um revólver muito bom, mas estava querendo trocar por uma pistola. O Capitão Inácio Vale disse: “Se quiser, eu posso fazer esse negócio com o senhor”. E puxou a pistola e mostrou a Pedro Matos. Pedro Matos tirou as balas da pistola e ficou com elas na mão. E começou a disparar em seco. E depois fazia pontaria e disparava. “Depois ele devolveu a pistola ao Capitão Inácio Vale, dizendo: Olhe, esta pistola está com defeito, não centraliza bem”. Eu não sei bem o que queria dizer ’não centraliza bem’. Recolocou as balas na pistola, mas nós não vimos. Foi tão rápida a conversa! Todo mundo ali conversando. Quando ele disse “não centraliza bem”, devolveu a pistola, e o Capitão Inácio Vale então falou: “Não, não tem defeito nenhum. É assim mesmo”, Aí pensou em disparar como Pedro Matos estava disparando, julgando que ele tinha ficado com as balas. Quando disparou, atingiu-o no estômago.

          Baltazar tinha chegado e estava fazendo muito calor. Enquanto não viajava, tinha vestido o paletó do pijama (ele gostava de estar em casa de paletó de pijama). Então pensou que tivesse sido nele porque, na mesma hora, correu um vento qualquer e o paletó do pijama se movimentou. Mas, em seguida, Pedro Matos abriu a camisa e nós vimos aquele pontinho vermelho ao lado do umbigo e ele disse ao Capitão: “Matou-me. Estou morto”. O Capitão assombrou-se. Tinha sido um negócio inteiramente casual. Ajoelhou-se aos pés dele chorando e dizendo: “Doutor Pedro Matos, foi por acaso. Doutor Pedro Matos, eu não queria. Eu pensei que as balas não estivessem na pistola”. Aí eu me encarreguei de afastar o Capitão Inácio Vale. Baltazar s encarregou de levar Pedro Matos para a cama e tomar as providências: manou chamar um médico. Em Angicos, não existia médico. Mandou buscar em Açu: Dix-huit ou Dr. Ezequiel ou Pedro Amorim, e eu mandei chamar o Dr. Pereira da Silva, um médico preto, pernambucano, que morreu muitos anos depois num desastre de trem e que estava em Lages. Ele atendia em Angicos e Lages. Mandei chama-lo pela estrada de ferro. Pedro Matos ficou lá, deitado, e eu fui deixar o Capitão Inácio Vale em casa. A pé, saí com ele pela calçada. Ele morava numa outra rua, na rua do cemitério. Ele estava muito abalado e chorando muito. Então, deixei-o em casa e voltei para as providências em relação ao ferido, Pedro Matos. Começaram a chegar os médicos. Chamamos a mulher dele, dona Inês Matos, que morava em Natal. Ela veio à tarde, com o médico Luís Antonio e Dr. José Tavares. Os outros médicos já estavam lá, atendendo-o. Às duas da tarde, o Pe. Manoel Tavares, depois Bispo de Caicó, fez um bilhete, um cartão a Pedro Matos, que era Grão-mestre da Maçonaria. Eu me lembro até dos termos desse bilhete. Dizia: “Doutor, quando sentir necessidade de Deus, lembre-se dos Sacramentos da igreja. Vigário”. E eu o entreguei a Pedro Matos. Ele pediu para eu ler e disse:

          - Você acha que eu vou morrer?
 
 
          - Não, não posso dizer que você vai morrer, mas, se você quer realmente se reconciliar com a religião, eu acho que você deve fazê-lo, independemente disto.

          - É prefiro morrer com Deus.

          Então fui chamar o Pe. Tavares, que realizou algo muito solene. Eu nunca tinha visto até esta idade. Foi para a igreja paramentou-se, mandou chamar os coroinhas e fez uma espécie de procissão com o Santíssimo levando a hóstia na ambula coberta e tocando a campainha até lá. Ao chegar, aconteceu outro fato curioso. O Pe. Tavares queria um depoimento de Pedro Matos, em cartório, quer dizer, perante o tabelião, abjurando a Maçonaria sem o que não poderia dar-lhe o sacramento. Pedro Matos vacilou um pouco, mas terminou dizendo que abjurava. Então mandou chamar Vanderlinde Germano, que era o tabelião. Vanderlinde veio e Pedro Matos declarou que abjurava a Maçonaria para ter direito a receber os Sacramentos da igreja perante aquelas pessoas. Quando terminou o documento, o Padre resolveu confessar Pedro Matos, mas este já estava com hemorragia interna e não aguentava as mãos abertas. Eu e Chico Trindade tentávamos manter os dedos do doente abertos. O Padre, então, me fez fazer um juramento de que eu me manteria cego diante do que visse e surdo diante do que ouvisse. Era um juramento até bonito. E ali fez a confissão. Evidentemente, eu não prestei atenção. O Padre depois ministrou os Sacramentos ao doente e voltou para a igreja acompanhado por uma pequena multidão. E ele ficou. Às seis horas da tarde, chegaram sua mulher, Dr. Luís Antonio, Dr. José Tavares e o filho dele, Iram, um rapazinho. Foram examiná-lo, eu os chamei e perguntei qual era o estado dele. O Dr. José Tavares cruzou os braços e disse:

           - Nada a fazer. Só esperar a morte. Houve hemorragia interna e não há mais nada o que se fazer.

           Então eu resolvi tentar trazer Pedro Matos num trem especial. Ele era líder do governo. Mas não conseguimos. O trem só chegou de madrugada e ele morreu às dez horas da noite.

           Pedro Matos queria fazer uma declaração isentando o Capitão Inácio Vale de qualquer culpa, pois tinha sido inteiramente casual. Quando o tabelião chegou, ele fez a declaração.

           Depois que ele morreu, eu resolvi ir à casa do Capitão Inácio Vale comunicar a ele a morte. Ele estava muito deprimido, chorando muito. Mandava me buscar, queria sair a todo o momento para ir à casa de Baltazar. A família não deixava. Dona Liliosa e Jair, sua filha mais nova, não o deixavam sair. Com muito jeito, comuniquei a ele que Pedro Matos tinha morrido, mas lhe comuniquei também a declaração feita em cartório. Que ele podia procurar depois. Ele queria a todo o custo sair de Angicos, E eu disse: Não, acho que o senhor não deve sair. O inquérito tem que ser feito por outro. Mas o senhor não tem porque sair. Todo mundo reconhece que o senhor não teve culpa. Procurei consolá-lo.

          De madrugada, chegou o trem e nós partimos para o enterro. Depois de alguns anos, eu o visitei em Natal, se não me engano, na rua Amaro Barreto, onde ele morava. Não me lembro muito bem. Eu sei que fui visita-lo. Achei-o muito velho, fisicamente decadente. São essas as lembranças que tenho do Capitão Inácio Vale; e essa é importante, pois é a primeira vez que o problema da morte de Pedro Matos é colocada, e as versões que eu ouvi na época eram contraditórias, mas a verdadeira história é essa que eu lhe contei.

                                                                                      Natal (RN), 22 de novembro de 1984.
 
                                                                                                           Aluízio Alves

<<<<<     >>>>>

Do livro: “O SERIDÓ NA MEMÓRIA DO SEU POVO”, de autoria do Prof. Adauto Guerra Filho. Editado pelo Departamento Estadual de Imprensa do RN – Natal,  2001.

Nenhum comentário: