SOBRE FULEIRO E FULEIRAGEM
Flávio Paiva
Nunca fiquei confortável com as explicações dos etimólogos, filólogos
e dicionaristas para a origem da palavra “fuleiragem”. Que no senso
comum o significado de “fuleiro” seja reles, imprestável, sem qualidade,
medíocre, ou que o termo sirva para apontar quem age irresponsavelmente
e que não parece confiável, é fato. Porém, toda vez que procurei ler
sobre a origem dessa palavra tão comumente utilizada no Brasil,
sobretudo pelo espírito moleque da cearensidade, não fiquei satisfeito
com as explicações encontradas.
Uns dizem que o vocábulo
“fuleiro” chegou ao Brasil nas caravelas portuguesas e naquele tempo já
seria um derivado de “foleiro”, pessoa que faz, vende ou toca fole.
Neste caso, imagino que poderia também dizer respeito aos artífices que
trabalham com foles produzindo vento para ativar a combustão de
fornalhas para a fundição de metal ou até mesmo para atiçar brasa nas
cozinhas de fogão à lenha. Em qualquer dos casos, o que talvez
justificasse o emprego pejorativo dessa palavra contra alguém seria um
preconceito à condição social dessas pessoas.
Não duvido que,
por uma simples questão fonética, o sotaque lusitano tenha ajudado a
confundir “foleiro” com “fuleiro”. Nada disso, contudo, atende à minha
convicção de que existe algo mais profundo lastreando o sentido negativo
do emprego da palavra “fuleiragem”, como o modo de agir de um
“fuleiro”. Encontrei ainda uma vertente etimológica indicando as raízes
de “fuleiro” na palavra “fullero”, com a qual os espanhóis definem
alguém que “engana”. Indo um pouco mais fundo, os estudiosos do assunto
explicam que “fullero” deriva do castelhano “fulla”, que quer dizer
falsidade.
E, como essas, outras suposições tentam esclarecer
qual a procedência da palavra “fuleiragem”, mas não do seu uso torpe.
Todas certamente aportam contribuições importantes à compreensão de como
e para quê nos valemos desse termo, embora eu não consiga encaixar tais
conjeturas à dimensão da aplicação do termo “fuleiro” no seu
tradicional uso depreciativo, nem na sua extensão humorística praticada
no Ceará.
O boneco “Fuleiragem”, criação do Pedro Boca Rica
(1936 – 1991) para o humorista Augusto Bonequeiro, é um exemplo concreto
do sentido “malcriado” atribuído à “fuleiragem”. Quando o bregastar
Falcão canta: “Meu amigo, se algum desafeto roubar sua mulher / sua
maior vingança é deixá-lo ficar com aquela fuleragem” (“A esperança é a
única que morre”, CD 500 Anos de Chifre, 1999), ele está refletindo no
seu vocabulário de escracho o significado de desaprovação social da
“fuleiragem”.