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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

CRÔNICA SOBRE NATAL (RN)

ANTES, ERA ASSIM...


A minha cidade era de um bucolismo poético!
O céu sempre azul, e o sol, de uma claridade tropical, era festa colorida de cintilações ofuscantes. Dava-nos entusiasmo, despertando-nos para a vida. Ninguém se sentiria tristonho ou desanimado ao olhar os raios matutinos transpondo os morros alvacentos, no horizonte azul-cinza, porque eles traziam acenos de esperança, manifestações espontâneas de felicidade.
À noite, o firmamento pontilhava-se de estrelas, orgulhosas de seu Cruzeiro do Sul e indiferentes à claridade de um luar de prata, fazendo renascer os sentimentos de amor, inspirando poesia.
A natureza enriquecia o florescente reinado dos poetas, com as noites enluaradas, céu estrelado, bramido do mar. E os violões plangiam, acompanhando o seresteiro apaixonado que cantava:

 "Noite alta, céu risonho
A quietude é quase um sonho
O luar cai sobre a mata
Qual uma chuva de prata
De raríssimo esplendor.

Só tu dormes e não escutas
O teu cantor
Revelando à lua airosa
A história dolorosa desse amor..."

O nome de minha cidade também é uma poesia: NATAL!
Tem um rio sussurrante, morros verdejantes, clima ameno, água saudável, quase miraculosa. Quem a bebe uma vez, apaixona-se pela cidade.
Nela, vivia-se feliz, sem preocupações. Honravam-se velhas tradições, cultuando a memória dos antepassados, dos seus heróis que escreveram páginas memoráveis nas lutas de expulsão contra os invasores. Não tinha pressa para crescer e essa tranquilidade fazia prolongar a vida de seus habitantes, que mantinham hábitos moderados, comportamento morigerado. Colocavam cadeiras nas calçadas para ouvir e contar "estórias" de assombração, de alma doutro mundo, pois a crendice estava arraigada entre gente simples. As crianças adoravam a lenda da galinha de ovos de ouro, que aparecia e se "encantava" nos morros que circundavam a cidade, enquanto os adultos se emocionavam com as peripécias das "burras de padre", dos "lobisomens". As mulheres atemorizavam-se com os relatos de assaltos praticados pelo "negro-melado" ou ataques dos "papa-figos", que roubavam criancinhas para sacrificá-las em favor da recuperação da saúde dos leprosos. Acreditavam nas "estórias" fantásticas de pescadores seduzidos por "mães-d'água" ou arrebatados por lindíssimas "sereias", vibrando-se de entusiasmo pela descrição de lutas travadas entre pescadores  e peixes monstruosos, polvos de mil tentáculos, arraias gigantescas...
Não havia preocupações com problemas domésticos, nem se ligava aos martirizantes preconceitos sociais. Tudo era livre, de simplicidade cativante, não se dando guarida à maledicência. E logo depois de o relógio da velha Matriz badalar nove horas, todos se recolhiam, pois o sistema de vida daquelas cinquenta mil pessoas era o de dormir e acordar cedo.

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Um dia, inesperadamente, a minha cidade de nome doce e poético - NATAL - foi envolvida pela guerra (1), tornando-se mundialmente conhecida como "Trampolim da Vitória".

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(1) Segunda Guerra Mundial (1939/1945)

Do livro: CIDADE EM BLACK-OUT - CRÔNICAS REFERENTES À SEGUNDA GUERRA MUNDIAL de autoria do Professor e escritor JOSÉ NAZARENO MOREIRA DE AGUIAR. Composto, fotolitado e impresso nas oficinas gráficas da Editora Universitária da UFRN. Natal, março de 1991.

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