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sábado, 7 de dezembro de 2013

CAUSO

- NA PONTA DA LINGUA -

Não havia figura mais prestativa, esquisita e teimosa do que o doto Brandão, nada mais nada menos do que o médico Manoel Brandão de Oliveira. A região toda o conhecia, apesar da sua clausura.
Tudo começa com pirraça política com o cel. João Medeiros, de quem era adversário e inimigo pessoal, desde os anos 50. Tranca-se em casa, também seu consultório, onde atende a todos necessitados de cuidados médicos, afirmando sempre que só iria embora da cidade, depois da morte do desafeto número UM.
- Jamais sairei daqui de casa, para não ter que pagar imposto público enquanto ele for vivo.
O coronel, além de líder político, era o homem mais rico do lugar (Jardim do Seridó - RN), dono de fazendas, de grandes rebanhos de gado, uma usina de algodão e fábrica de óleos vegetais. Morre em 1970. Doutor Manoel Brandão não cumpre a promessa, fica na cidade, mas permanece enclausurado.
Inteligente e estudioso, ganha um Jeep como prêmio, em concurso prestado no Rio de Janeiro. Construía a garagem para guardar o veículo, quando um amigo dá um pitaco:
- Doutor, essa porta vai ficar estreita para o jipe.
Intromissão suficiente para o médico mudar de ideia:
- Vai, não, seu besta. Simplesmente vou mudá-la de local.
Ato seguinte tapa o buraco reservado à entrada e saída do veículo, abrindo outra porta para dentro da própria casa. Todos os dias, e durante longos anos, ele ligava o motor para não descarregar a bateria. Anos depois, troca o jipe por um DKW Vemag.
De outra feita, Murilo de Antonino vai a casa consultório do médico a pedido do amigo Moacir, que fica preocupado com o estado de saúde da mulher. O portador bate à janela, Manoel Brandão, rubro-negro juramentado, assiste na TV um Fla/Flu de Maracanã cheio, gente sobrando pelo ladrão. Mesmo assim, responde através da cortina:
- Quem és e o que desejas?
Murilo se apresenta e diz:
- Totó de Moacir “está atacada”.
Doutor Brandão não perde o mote e glosa:
- Ela está atacada com o que? Por acaso é com um bicho, ou com uma corda na cintura?
A tolerância zero do famoso médico também sobra para o popular Zé do Pezão.
- Dotô, eu vim aqui, pro modes que tô todo discadeirado.
A resposta é seca:
- Pois errastes de endereço. A marcenaria é mais embaixo!
Outra grande vítima da ironia feroz do famoso personagem é o famoso fazendeiro Luiz Rodrigo, de fala mansa, quase soletrada:
- Dotô Barandão, to cum os quartos desmantelados, de uma queda de cavalo que sofri.
É de imaginar a resposta do mau humorado médico:
- Cidadão, eu não sou pedreiro, nem tampouco veterinário!
O motorista João da Burra é outro que bate à janela-consultório do famoso médico:
- Seu doto, to intupido já faz uma semana. Óia só o tamãe de mia barriga. Eu tumo o que, pra mi aleviá?
Brandão não chega nem a abrir a cortina:
- Amigo, se é problema só de entupimento, procure um encanador.  Mas, se for prisão de ventre, eu tenho remédio. Pegue esse supositório  e penetre no ânus. Entendeu?
João, claro, fica nas nuvens:
- Dotô, num intindi nada. Num seio qui danasco é isso. Enfio o mermo dondi?
Brandão torra a paciência, se é que tinha:
- Você enfia no cu, certo?
O paciente fica assustado com a resposta:
-Vigi, o homi agora indoidô de vez. Já tá apelando inté pra imoralidade.

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Transcrito do livro: OS DE SAMANAÚ E DO CUÓ, de autoria do jornalista ORLANDO RANGEL RODRIGUES (Orlando Caboré). Impresso pela Opção Graf. Natal (RN), ano de 2004.

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