- NA PONTA DA LINGUA -
Não havia
figura mais prestativa, esquisita e teimosa do que o doto Brandão, nada mais nada menos do que o médico Manoel Brandão
de Oliveira. A região toda o conhecia, apesar da sua clausura.
Tudo começa
com pirraça política com o cel. João Medeiros, de quem era adversário e inimigo
pessoal, desde os anos 50. Tranca-se em casa, também seu consultório, onde
atende a todos necessitados de cuidados médicos, afirmando sempre que só iria
embora da cidade, depois da morte do desafeto número UM.
-
Jamais sairei daqui de casa, para não ter que pagar imposto público enquanto
ele for vivo.
O coronel,
além de líder político, era o homem mais rico do lugar (Jardim do Seridó - RN),
dono de fazendas, de grandes rebanhos de gado, uma usina de algodão e fábrica
de óleos vegetais. Morre em 1970. Doutor Manoel Brandão não cumpre a promessa,
fica na cidade, mas permanece enclausurado.
Inteligente
e estudioso, ganha um Jeep como prêmio, em concurso prestado no Rio de Janeiro.
Construía a garagem para guardar o veículo, quando um amigo dá um pitaco:
- Doutor, essa porta vai ficar estreita para o
jipe.
Intromissão
suficiente para o médico mudar de ideia:
- Vai,
não, seu besta. Simplesmente vou mudá-la de local.
Ato seguinte
tapa o buraco reservado à entrada e saída do veículo, abrindo outra porta para
dentro da própria casa. Todos os dias, e durante longos anos, ele ligava o
motor para não descarregar a bateria. Anos depois, troca o jipe por um DKW
Vemag.
De outra
feita, Murilo de Antonino vai a casa consultório do médico a pedido do amigo
Moacir, que fica preocupado com o estado de saúde da mulher. O portador bate à
janela, Manoel Brandão, rubro-negro juramentado, assiste na TV um Fla/Flu de
Maracanã cheio, gente sobrando pelo ladrão. Mesmo assim, responde através da
cortina:
- Quem és e o que desejas?
- Quem és e o que desejas?
Murilo se
apresenta e diz:
- Totó de Moacir “está atacada”.
Doutor
Brandão não perde o mote e glosa:
-
Ela está atacada com o que? Por acaso é com um bicho, ou com uma corda na
cintura?
A
tolerância zero do famoso médico também sobra para o popular Zé do Pezão.
- Dotô, eu vim aqui, pro modes que tô todo
discadeirado.
A resposta
é seca:
- Pois
errastes de endereço. A marcenaria é mais embaixo!
Outra
grande vítima da ironia feroz do famoso personagem é o famoso fazendeiro Luiz
Rodrigo, de fala mansa, quase soletrada:
- Dotô Barandão, to cum os quartos
desmantelados, de uma queda de cavalo que sofri.
É de
imaginar a resposta do mau humorado médico:
- Cidadão,
eu não sou pedreiro, nem tampouco veterinário!
O motorista
João da Burra é outro que bate à janela-consultório do famoso médico:
- Seu doto, to intupido já faz uma semana.
Óia só o tamãe de mia barriga. Eu tumo o que, pra mi aleviá?
Brandão não
chega nem a abrir a cortina:
-
Amigo, se é problema só de entupimento, procure um encanador. Mas, se for prisão de ventre, eu tenho
remédio. Pegue esse supositório e
penetre no ânus. Entendeu?
João,
claro, fica nas nuvens:
- Dotô, num intindi nada. Num seio qui danasco
é isso. Enfio o mermo dondi?
Brandão
torra a paciência, se é que tinha:
-
Você enfia no cu, certo?
O paciente
fica assustado com a resposta:
-Vigi, o homi agora indoidô de vez. Já tá
apelando inté pra imoralidade.
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Transcrito do livro: OS DE SAMANAÚ E DO CUÓ, de
autoria do jornalista ORLANDO RANGEL RODRIGUES (Orlando Caboré).
Impresso pela Opção Graf. Natal (RN), ano de 2004.
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