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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A CRÔNICA DO DIA

- A DOR DA SAUDADE -
Iveraldo Guimarães

Meu amigo não estava num de seus melhores dias. Notava-se logo. Seu olhar vagava pelo chão  de mar, lá embaixo, até bater na linha do fim azul. Bebericava seu uísque e certamente pensava estar sozinho naquele mundo feito de bar impregnado de mar. Estava acabrunhado. Perguntei-lhe a razão daquilo tudo e ele, meio sem vontade, respondeu que sentia uma dor. Fiquei assustado, confesso, mas ele explicou não ser nenhuma dor física. A dor vinha de dentro, do mais profundo, vinha da alma. A dor era intensa, dizia ele, permanente, contínua como se quisesse fazer pirraça: era uma dolorida dor de saudade. De repente, como se tivesse despertado de algum sono esquisito, perguntou-me se existia algum remédio para tal sofrimento.
Pensei um pouco e desse que talvez um sapo resolvesse seu problema. Um sapo? Sim, um sapo. Não um sapo qualquer. Eu me referia a um pequenino sapo habitante das selvas mais recônditas. São várias as espécies, mas talvez algum da espécie Phyllobates terribilis pudesse sanar seu problema.
Com não mais do que dois e meio centímetros de comprimento, tem esse nome um tanto assustador por causa de sua gosma que reveste o corpo. É um dos mais poderosos venenos já encontrados neste planeta. Esse pequeno batráquio, perigoso que só ele, pertence à família dos dendrobatídeos, passa a vida saltando por entre as folhas mortas e galhos em decomposição das florestas sul - americanas. Seu veneno, secretado pela pele, uma arma natural contra os inimigos, é tão poderoso, que se derramássemos apenas cento e sessenta gramas dele nas águas que abastecem Natal, toda sua população seria exterminada. Incrível, não?
Incrível mesmo era o espanto de meu amigo, sem entender patavina como aquele sapinho, tão perigoso, iria passar sua dor, matar a sua saudade.
Do veneno de um desses diminutos mais aterrorizantes animais, os cientistas isolaram uma substância que combate dores lancinantes, hoje somente eliminadas com a morfina. No entanto, a morfina causa dependência do indivíduo, além de depressão respiratória e grave constipação intestinal. A droga oriunda de nosso sapo, ao contrário, apresenta puras e específicas propriedades analgésicas. Promete curar as dores mais terríveis. Quem sabe, até mesmo dores da alma, como essa da saudade do meu amigo. Será?, perguntou-me esperançoso. Quem sabe, respondi reticente. E meu amigo, deixando vagarosamente o copo na mesa, aproximou o rosto para quase sussurrar:

- Mas ela me deixou por outro. Será que esse sapo cura também essa dor?
- Bem, a dor da saudade eu até tenho esperança, mas para essa sua dor aí, creio que vai precisar de um sapo bem maior...
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Do livro: "OS VELEIROS DO INFINITO - Crônicas do Planeta Azul" de autoria do biólogo IVERALDO GUIMARÃES. Publicado pela Editora Lidador Ltda. Rio de Janeiro (RJ), ano de 1999.

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