MOYSÉS SESYOM
- O Bocage rio-grandense -
ACTA DIURNA
Luiz da Câmara Cascudo
(Publicado no jornal 'A República'
Natal - RN, 11 de abril de 1942)
Perdoem-me as nove Musas em particular e Mnemosine no geral, dar ao poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage as glórias únicas da poesia fescenina. Não há fama mais injusta e renome menos merecido. Bocage é um altíssimo poeta sem a produção sotádica do "quinto livro". Mas, na acepção tradicional dizer-se "versos de Bocage" é anunciar rimas que arrepiam os nervos pudicos.
Moysés Lopes Sesyom, Moysés Sesyom, falecido no Assú a 6 de Março de 1932, é um poeta sem as honras do prelo. Possui, superior a esse título, sua produção inteiramente impressa na memória coletiva de uma região.
Raro será o rapaz, ou cidadão sisudo nas horas confidenciais de reminiscências literárias ignorando uma ou alguma das "décimas" irresistíveis do poeta querido, de vida atribulada, de existência dura, de morte cruel.
Vezes, horas e horas, ouvi recitar versos de Sesyom, recordando sua boemia, vivendo o anedotário rico de episódios chistosos.
Mas, a parte característica na verve de Sesyom, a mais alta percentagem de versos, as respostas imprevistas e saborosas, exigem um ambiente mais restrito, uma atmosfera íntima que o horizonte amplíssimo dos jornais.
Moysés Lopes, Sesyom é Moysés às avessas, nasceu no Caicó, em 1884. Em 1907 fixou-se no Assú. E viveu por ali, pequeno bodegueiro, empregado no comércio e por fim, soldado do Batalhão Policial.
Só nos últimos anos descobriu que era improvisador, e o aplauso unânime de um auditório compreensivo, sagrou-o.
Há quem passe a vida escrevendo versos e morra sem ser poeta. Sesyom sem saber, era poeta verdadeiro, espontâneo, inesgotável, imaginoso, original. Sua versalhada, satírica em proporção decisiva, não receia confronto com Laurindo Rabelo, o irrequieto Poeta-Lagartixa. Apenas Laurindo Rabelo era um médico, tendo livros e amigos ilustres. Sesyom era quase analfabeto, desprotegido e paupérrimo.
Nem por isso desmerecerá para o futuro. Suas "décimas" esfuziantes deviam ser reunidas em volume. Um volume fora dos mercados livrescos, mandado editar por um grupo de bibliofilos. Usa-se muito essas edições limitadas, hors commerce, defendendo do esquecimento um esforço humano digno de maior duração no tempo.
Sei muito bem que os versos de Sesyom estão mais seguros na retentiva popular do que nas páginas de um folheto. Mas essa impressão garantiria a pureza da produção humilde, impossibilitando as deturpações vindouras, instaladas no texto como letra integral.
Se o "Quinto Livro" de Bocage, e vinte volumes de alta pornografia sapientíssima estão editados luxuosamente, custando caro, escondidos no "inferno" das bibliotecas eruditas, ciosas desses tomos de tiragens numeradas, por que não estender à Moysés Sesyom o direito lógico de figurar ao lado, e muito justamente, dos seus colegas imponentes que nada fizeram de melhor e de mais alegre?
A poética sensual e o hílare são atributos da Civilização. Os povos primitivos ou em estado de desenvolvimento inicial, não tem versos como os de Sesyom. Esses, além do mais, dariam testemunho de um engenho curioso e vibrante, diluído, apagado, improfícuo, no anulado ciclo fechado das vidas pequeninas e melancólicas.
Aqui está um mote que lhe deram, glosado imediatamente, taqualmente nos Outeiros aristocráticos do século XVIII:
Bebo, fumo, jogo e danço.
Sou perdido por mulher!
Vida longa não alcanço
Na orgia ou no prazer
Mas, enquanto eu não morrer
Bebo, fumo, jogo e danço.
Brinco, farreio não canso,
Me censure quem quiser
Enquanto eu vida tiver
Cumprindo minha sina venho,
E além dos vícios que tenho
Sou perdido por mulher!
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