- IMAGENS DA SEMANA SANTA -
Umberto Peregrino
As procissões do Encontro e de Nosso Senhor Morto todos os anos enchiam
de compungidas emoções a minha piedosa cidade.
Todos vinham para as ruas acompanhar comovidamente as representações
religiosas.
A procissão do Encontro tinha tudo de uma verdadeira representação do
episódio da vida de Cristo. Pessoas das mais representativas da cidade armavam,
por conta própria, à porta das suas respectivas residências, os chamados
Passos. Eram altares onde a procissão se deteria, como se deteve Jesus nos
diversos pontos da Via Sacra.
Esses Passos eram armados com caprichos extraordinários, pois se
estabelecia estimulantes rivalidade entre os seus patrocinadores. Famílias
havia, porém, que cada ano obtinham o privilégio de armar um dos Passos para a
procissão do Encontro. E cada vez mais se esmeravam, pondo no preparo do altar
as melhores rendas e as melhores sedas da casa.
Mas o momento culminante da procissão era a cena do Encontro. A
procissão de Nossa Senhora vinha por uma rua e a de Nosso Senhor dos Passos
vinha por outra. A imagem de Nossa Senhora trazia à mão um lenço de mão
chorosa, à procura do filho. Jesus apresentava-se numa figura sofredora,
recurvada ao peso da cruz. E quando as duas imagens se defrontavam, a uma aproximação
lenta e ansiosa, um grande orador sacro da cidade assomava ao púlpito, armado
na rua, e articulava um patético sermão alusivo ao Encontro.
Quantos choravam nessa hora solene, tocados pelo verbo do orador.
Mais pungente ainda, no seu impressionante realismo, era, todavia, a
procissão de Nosso Senhor Morto ou do Enterro, como muitos chamavam. De fato,
aquilo parecia verdadeiramente um solene enterro.
A imagem de Jesus morto, em tamanho natural, era conduzida sobre o
pálio. Bem recordo aquele corpo nu de cujas cicatrizes parecia ainda merejar
sangue; a cabeça pendente e o rosto pálido completavam a impressão de um
cadáver.
Na frente, puxando a procissão, um respeitável senhor de opa sacudia,
sem pausa, uma matraca. A banda de música da Polícia Militar entoava marchas
fúnebres. A multidão compacta, quase toda a população da cidade, vinha atrás, a
passos medidos, em muita ordem e muito silêncio. Guardavam todas uma sincera
atitude de respeito e de tristeza. Muitas vezes deu-me vontade de chorar ao longo
daquele cortejo fúnebre. Sentia como se fosse ali um morto meu, uma pessoa
muita querida e a quem muito se fizera sofrer.
A cidade inteira devia experimentar sentimentos semelhantes, porque a
sexta-feira da Paixão, na minha cidade, era um dia pesado, um dia de mágoas
gerais, de abatimento unânime. Nesse dia todos procuravam ser bons, todos se
perdoavam, as crianças não faziam artes, os adultos não castigavam as crianças,
não se mentia, não se odiava, não se falava mal do próximo, não se consentiam
pensamentos impuros...
A natureza humana ficava suspensa... Mas com que ansiedade todos
esperavam o Sábado de Aleluia que lhes restituiria os seus instintos e
sentimentos do ano inteiro...
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Do livro: 'CRÔNICA DE UMA CIDADE CHAMADA NATAL', de
autoria do escritor UMBERTO PEREGRINO. Publicado
pela Editora Clima (Coleção Edições Clima - vol. 69). Natal (RN), em junho de
1989.
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