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terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

NA HISTÓRIA DE JARDIM DO SERIDÓ - RN

DR. BRANDÃO: MITO E REALIDADE
Dr. Manoel Brandão
Dr. Manoel Brandão, popularmente conhecido como Dr. Brandão, nasceu na cidade de Currais Novos/RN, no dia 30 de outubro de 1905.Formado em Medicina no Rio de Janeiro, veio para Jardim do Seridó/RN por volta de 1932 para exercer sua profissão. 
Jovem ainda, despertou o amor de várias moças jardinenses, inclusive de senhoras casadas, que escreviam cartas de amor para ele, colocando-as por baixo da porta de sua casa. Embora alguns jardinenses digam que ele não se insinuava para as mulheres, o que se sabe é que jardinenses do sexo masculino, preocupados com sua reputação de homens casados, irmãos ou parentes de donzelas, começaram a pressioná-lo por intermédio da justiça cogitando-se, inclusive, a possibilidade de sua  prisão.
A partir desse episódio, Dr. Manoel Brandão isolou-se da população, passando a viver trancado em sua casa, situada à rua Cel. Felinto Elísio, nº 78. Casa essa que lhe fora doada pela família da esposa do senhor Natanael, ex-fazendeiro do sítio Cabaceira, em troca de atendimento médico gratuito à família.
Por esse motivo, manteve-se afastado do convívio social até o fim de sua vida. Só saía para viajar (de madrugada, longe dos olhares do povo) para Recife/PE ou Rio de Janeiro/RJ. Cortava o cabelo por lá. Vivia sempre de terno preto sobre uma camisa branca de mangas compridas, deixando à mostra os punhos. Só aparecia à janela ou na área quando precisava de alguma coisa, alimento principalmente. Ficava olhando quem passava até aparecer alguém que lhe inspirasse confiança (era muito desconfiado), geralmente meninotes. Mas antes perguntava quem era sua família e só depois, caso se agradasse, fazia o pedido. Antes de sair, mandava que lavasse as mãos com álcool, alegando que o mundo estava cheio de micróbios e bactérias.
Residência de Dr. Brandão
Enquanto podia medicar, vivia das consutas que cobrava. Bom médico conhecido por sua competência profissional, era sempre procurado por pacientes que já não encontravam soluções para os seus males. Para serem atendidas por ele, as pessoas esperavam às vezes o dia inteiro. Não que ele tivesse uma agenda lotada, pelo contrário, eram poucas as pessoas que o procuravam, mas porque era raro o dia que estava disposto a atender alguém, e a pessoa passava todo o resto do dia batendo nas portas e nas janelas, implorando para ser atendida. Quando abria a porta, mandava o paciente entrar e o atendia na primeira sala de onde o paciente não passava.
Ninguém tinha acesso ao resto da casa depois de ouvir o paciente, mandava-o aguardar e se retirava para o interior da casa por alguns instantes, de onde voltava com a receita pronta. O efeito milagroso do remédio medicado, somado a demora no interior da casa e ao mistério que ele preservava, levou a população a imaginar que ele trabalhava com espíritos e que eram eles que receitavam os medicamentos.
Criou-se assim um mito que, se Dr. Brandão não curasse é porque não havia cura. Outros mitos foram criados: falava-se na cidade que ele tinha comprado um carro e mandado lacrar a porta da garagem para que ninguém o visse quando viajava. Fazia-o de táxi e sempre altas horas da noite ou madrugada  para não ser visto. As raras pessoas em quem confiava não passavam da sala de fora e mantinha restrições. Ildete, filha de Maria de Genésio, era uma delas.
Em 1992, quando adoeceu para morrer, mandou chamá-la para comprar sua casa. Logo após a venda, morrera deitado numa rede no segundo quarto da casa sozinho, Deus, somente Deus foi testemunha ocular de suas mágoas, de suas dores, angústias e dos seus sofrimentos que não devem ter sido poucos. Ao acharem o corpo, a família foi comunicada. Era 1º de setembro de 1992 (causa da morte: problemas da próstata). A família veio, levou o dinheiro da venda e mandou que arrumasse todos os seus pertences pois iriam mandar buscá-los. No dia 02 do mesmo mês, foi sepultado em Currais Novos, no túmulo dos seus pais.
Após sua morte, algumas pessoas conheceram na realidade os mistérios de sua vida. Já velho e doente desconfiando de tudo e de todos, Dr. Brandão se entregou à decadência total. O mato tomou conta do muro, a cozinha havia caído por cima dos móveis, do fogão, e assim, havia permanecido até a sua morte (...). Nas paredes amarrotadas pelos anos, prescrições médicas copiadas para os mais diversos tipos de doenças, contendo os sintomas das mesmas, os medicamentos e as orientações aos pacientes.
Anos se vão desde que Dr. Brandão se foi. Muitos entraram naquela casa depois de sua morte e ainda continuam a entrar, mas alguns ainda temem de medo só de passar um anoitecer naquela residência.
Pouco resta ali de Dr. Brandão; seu escritório médico foi doado ao Museu Histórico de Jardim do Seridó/RN por Ildete Gomes, tendo sido totalmente restaurado pela ex-prefeita Maria José Lira de Medeiros. De resto ficou somente a sua lembrança, uma lembrança boa que nos faz imaginar as raras vezes que ele tirava as travas de madeira das portas e a esperança de muitos de que naquela casa, em algum canto exista uma botija que mais cedo ou mais tarde alguém irá recebê-la. Muita gente, inclusive, já sonhou com Dr. Brandão presenteando-a com essa botija. Se há ou não, ninguém sabe ao certo, mas se ele for dar a alguém, sinceramente, espero que seja a mim. 

Publicado anteriormente no Blog Amigos da Cultura de Jardim do Seridó.
Texto retirado do livro: SILVA, Mílvia Araújo da (org.). História e Lendas de Nossa Terra. Jardim do Seridó/RN: SHM Informática, 2001. 83 p.

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