NÃO ERA SOMENTE UM DESODORANTE VENCIDO
- Fabrício Carpinejar -
A chacina de Goiânia é um alerta político. Um
adolescente de 14 anos, vítima frequente das ofensas de sua turma,
roubou a pistola dos pais policiais militares e matou dois colegas e
feriu outros quatro dentro do Colégio Goyases na manhã dessa sexta
(20/10). Era uma vingança pelas humilhações suportadas em silêncio ao
longo do ano letivo. Ele vinha sendo hostilizado de fedorento e chegou a
receber até um desodorante como inesperado, pungente e irônico
presente.
Não tem como justificar o crime, nem perdoá-lo. Mas é o momento de
refletir sobre o quanto subestimamos a violência escolar. O bullying
hoje está muito mais agressivo do que duas décadas atrás, pois envolve
também perseguição e segregação digital. Os desaforos não terminam na
escola, seguem pelo dia adentro na web. O sinal do fim da aula não
interrompe o medo.
A tortura psicológica não encontra pausa, com troças infinitas pelos
contatos no WhatsApp. Quem é esculhambado não vê para onde fugir, pois a
sua página no Facebook também é invadida por comentários ofensivos e
insinuações violentas.
Quem diz que bullying sempre existiu e que a preocupação com apelidos
é uma frescura não acompanha a trolagem nas redes sociais.
Bullying é saúde mental, é saúde pública. Ao cuidar dele,
preventivamente, em campanhas nas escolas, estaremos economizando lá
adiante com internações e medicação nos hospitais.
Bullying não é exagero, não é drama, não é piada inofensiva, não é implicância natural.
Quantos adolescentes, sem saída para a angústia, em vez de revidar os
ataques, cometem suicídio? E nunca ficamos sabendo. São engolidos pela
solidão, levando consigo os segredos malditos e perversos da
convivência.
O adolescente é uma bomba-relógio porque ele sente a vida com o dobro
de intensidade dos adultos. Ele ama e odeia ao mesmo tempo, está
permanentemente à flor da pele, caminhando do tudo para o nada, do nada
para o tudo. Alterna extremos de alegria e de raiva em pouquíssimos
minutos.
O corpo está mudando, a voz está mudando, ele não reconhece mais a si
e depende da aprovação externa de seus amigos para assumir a
identidade. Se não é aceito nos grupos sociais, se não é aprovado, ele
se convencerá de que é um monstro, entenderá que crescer é uma
metamorfose do mal.
Ele também não tem nenhuma reserva emocional: perdeu a proteção e a
segurança da infância. Não caminha mais de mãos dadas com os pais, não
recebe colo, não cura as discussões com abraços, não se desculpa com
beijo. Não acontecerá o contato da pele para reaver os vínculos. É
somente cobrado sem os prêmios do afeto e do conforto de quando era
pequeno. No fundo, encontra-se sozinho pela primeira vez no mundo.
Pretende se mostrar independente, porém é carente e sedento de
reconhecimento.
O adolescente é órfão de suas perguntas e aflições. Tranca o quarto e chaveia o coração.
Ele merece um cuidado especial. Não se abrirá com facilidade. Não
comunicará o seu sofrimento. O costume é engolir o pedido de socorro.
Talvez tente emplacar uma conversa séria uma única vez, mas, se
fracassar, não voltará a tocar no assunto. Mergulhará de novo para a
educação fingida e respostas monossilábicas.
O adolescente não dá segunda chance para a confissão. Ou os pais e
educadores permanecem atentos aos sinais ou ele irá explodir
secretamente contra si ou contra todos.
A recuperação exige a confiança rarefeita do desabafo. Porque a dor,
quando guardada, aumenta. Já a dor, quando partilhada, diminui - quem
consegue falar descobre que a sua dor não é exclusiva e que muitos
sofrem parecido.
Bullying destrói personalidades fortes, desmancha temperamentos
firmes. Sua maior maldade é transformar a ferida em alegria, as
privações em palhaçadas. As risadas machucam. Apanha-se de risadas.
Pessoas se divertem às custas do constrangimento de alguém. De sinônimo
do bem, a gargalhada é convertida em veneno.
O que nos resta a fazer é mudar o nosso entendimento de coragem. Coragem não é sofrer sozinho, é pedir ajuda."
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