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sábado, 11 de novembro de 2017

RN: ACONTECEU NO GOVERNO ALUÍZIO ALVES

- A GREVE DA POLÍCIA MILITAR -
JOSÉ DE ANCHIETA FERREIRA (*)

Em 8 de junho de 1963, o PrimeiroSargento Gil Soares de Lucena assume a Presidência do Clube dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Eleito por unanimidade, Gil exercia as suas atividades como datilógrafo, no Hospital Central da corporação.
Na época, o país vivia momentos de inquietação, que vinha se agravando desde a renúncia inesperada e frustrante do Presidente Jânio Quadros, Essa inquietação se refletia nos quartéis, com evidente relaxamento da disciplina e da hierarquia.
Em sessão extraordinária em 20 de agosto, o clube aprova um manifesto de solidariedade à Polícia Militar do Piauí, que estava em greve. O documento, expedido por telegrama, é publicado pelo “Correio do Povo”, jornal de Dinarte Mariz, que fazia acirrada oposição ao Governo do Estado.
Com a presidência do Clube, Gil acumulava a Diretoria do “Grupo Renovador”, entidade criada pela assistente social Maria das Dores Costa. Recorda Dorinha: “... Verifiquei que eu tinha que partir para um trabalho de maior profundidade, mas coletivo. Com frequência eu via soldados caírem durante a ordem unida. E me chegavam às reclamações: ‘D. Dorinha, o soldado fulano caiu durante o exercício, de fome’. E esse tipo de reclamação se repetia. Foi criado, então, o chamado “Grupo Renovador”. Percebi, no entanto, que havia uma quebra na hierarquia, porque o grupo incluía do soldado ao tenente. Nele discutia-se tudo. Alimentação, salário, saúde, etc. E até um jornalzinho foi fundado. Mas havia na cidade o Clube dos Marinheiros, que procurou entrar em contato com o nosso pessoal com interesse político. Enquanto isso, o clima no país foi de deteriorando com reflexo no quartel, e eu fui perdendo o controle sobre o nosso grupo”.
Pressentindo no ar sinais de anormalidade entre os seus comandados, o Coronel Luciano Veras Saldanha chama o sargento para uma conversa. Gil fala das reuniões que vem ocorrendo, da insatisfação com os baixos salários, etc. Como a situação estava se tornando insustentável, o sargento o convida para uma reunião no Clube. Seria uma tentativa de atenuar o descontentamento da tropa, de evitar um desfecho desfavorável, prejudicial, inclusive, à saúde do coronel, que recentemente sofrera um distúrbio cardíaco. Com um não categórico, o Comandante recusa o convite e declara: “No dia em que eu não puder comandar a Polícia, eu deixo”.
Comentando as solenidades da Semana da Pátria, “A Ordem” publica matéria explosiva para a ocasião, sob o título: “Fome e humilhação na Polícia Militar”. E prossegue o jornal da Arquidiocese: “O título não mente; na polícia Militar há fome. Fome que precisa urgentemente ser saciada... É impossível manter e exigir de homens a quem não se paga nem ao menos o mínimo que a lei estipula... A situação é de autêntica calamidade”. O comentário de “A Ordem” aumenta o descontentamento da corporação, levando a Diretoria do Clube a convocar uma reunião extraordinária durante a qual é aprovada a redação de um manifesto endereçado ao Governador reivindicando equivalência salarial às polícias do Ceará ou Paraíba.
Na manhã seguinte, ao chegar para o expediente, o Coronel Luciano é informado de que a tropa o aguardava no refeitório dos praças onde lhe seria entregue o documento aprovado na véspera. Acompanhado do oficial de dia, o Comandante é recebido pelo Presidente do Clube à entrada da ampla sala de refeições. Justificando, de início, a razão da mudança do local da formatura, o Sargento passa a ler o manifesto. Mas não chega a terminar. E explica o Sargento Gil: “Foi nessa ocasião que a greve começou. Manhã de setembro de 1963. Quando li que pedíamos salário igual ao das policias do Ceará ou Paraíba, o Comandante me interrompeu bruscamente, dizendo: “Essa não”! Em coro, a tropa gritou: “Essa sim”!
Alguns oficiais mais chegados à tropa infiltram-se no movimento procurando conter os excessos. Convencem, inclusive, uma minoria exaltada de desistir do plano de retirar o Comandante do seu gabinete de trabalho e expulsá-lo do quartel. Providenciam o recolhimento de todo o armamento no depósito de material bélico. Com a adesão da oficialidade à greve, no dia seguinte a seu início, um pouco de ordem e disciplina retornam à corporação. Começa então a fase difícil de negociações visando terminá-la o mais depressa. Representantes do Governador Aluízio Alves vão ao quartel negociar, sem resultado. Um dos emissários do palácio foi o Coronel Ulisses Cavalcanti, Secretário de Segurança. Enquanto, de um plano mais elevado, o Secretario falava aos militares, ordeiramente formados, um Subtenente o interrompe, gritando lá do meio da tropa:
- Excelência, dá licença?
- Pois não – responde o Coronel.
- De palavras bonitas já estamos cheios!
E gritou:
- Tropa, sentido! Fora de forma. Marche!


À noite, telefonemas de sargentos de unidades militares sediadas na capital avisavam que suas respectivas guarnições se preparavam cara cercar o quartel nessa madrugada para, ao amanhecer, ocupá-lo.
Ante a ocupação iminente, o Padre Manoel Barbosa, Capelão da PM, convoca os grevistas, agora em ansiosa expectativa, e numa preleção tranquilizadora, apela para que as forças de ocupação sejam bem recebidas. Nessa ocasião, cerca de duas horas da manhã, retira-se do quartel o último negociador do Governo, o Secretário da Fazenda Ângelo Varela. Com a saída do Secretário, começa a aparecer os primeiros escalões do Exército comandados pelo Coronel Mendonça Lima. Num clima de guerra, todo o bairro do Tirol acorda sobressaltado pelo barulho da operação militar. Enquanto aviões B-29 sobrevoam o quartel em voo rasante, uma proclamação ameaçadora, transmitida por um potente megafone, intima os grevistas a renderem-se num prazo de 20 minutos, dispondo-se todos em frente ao quartel, em fileiras, voltadas para a igreja de Santa Terezinha. O general Omar Emy Chaves, que participara também da operação, cita o nome do Padre Manoel Barbosa na relação dos que deveriam ficar presos, alguns em suas residências, sob palavra. O capelão, que ficou no quartel, foi severamente repreendido pelo General. “Depois de me chamar de líder desmoralizado, o General, que era o Comandante da Guarnição Militar de Natal, deu uma esculhambação no Padre Manoel Barbosa e no Dr. Pedro Germano”, recorda o ex-Sargento Gil Xavier. A prisão do Capelão e o tratamento que lhe foi dispensado provocaram imediata reação do clero através da seguinte nota oficial da Arquidiocese, assinada por D. Eugênio Sales, lida em todas as igrejas do Estado e publicada no jornal “A Ordem”.
“É do conhecimento dos fiéis desta Arquidiocese os lamentáveis acontecimentos ocorridos ultimamente nesta capital, com reflexos no interior, motivados pela greve da Polícia Militar e subsequente repressão. Como se acha entre os detidos o Capelão da referida corporação militar, Padre Manoel Barbosa de Vasconcelos, o Governo Arquidiocesano cumpre o dever de informar aos católicos que aprova a sua atitude sacerdotal e sente-se honrado em contá-lo entre os seus mais próximos e eficientes colaboradores. Os termos descorteses com que foi tratado, frente à tropa, na manhã de hoje, não o atingem. Essa prisão e suas circunstâncias, embora provoquem indisfarçável mal-estar aos católicos, especialmente os da Paróquia de Santa Terezinha, devem ser estímulo à confiança nas forças do espírito. Fiéis à missão de evangelizar, peçamos a Deus dias melhores para a nossa terra. Dom Eugênio de Araújo Sales – Administrador Apostólico de Natal. Natal 13 de setembro de 1963.”
Depois de encontra-se todo o Batalhão em forma, em cumprimento à intimação recebida, Mendonça Lima indaga ao Coronel José Reinaldo sobre os armamentos da corporação. “Excelência – responde o Coronel da PM – as nossas armas são a fome”.
A resposta do novo Comandante, que substituíra Luciano Saldanha, foi seguida de emocionado aperto de mão.

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(*) Do livro: HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NA HISTÓRIA de autoria do Professor JOSÉ DE ANCHIETA FERREIRA. Editado pela RN Gráfica e Editora – Natal (RN) no ano de 1989.

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