(Ano de 1963, no Governo Aluízio Alves)
- A GREVE DA POLÍCIA MILITAR –
José Anchieta
Ferreira (*)
Em 8 de junho de 1963, o Primeiro-Sargento Gil
Soares de Lucena assume a Presidência do Clube dos Subtenentes e Sargentos da
Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Eleito por unanimidade, Gil exercia as
duas atividades como datilógrafo, no Hospital Central da corporação.
Na época, o país vivia momentos de
inquietação, que vinha se agravando desde a renúncia inesperada e frustrante do
Presidente Jânio Quadros. Essa inquietação se refletia nos quartéis, com
evidente relaxamento da disciplina e da hierarquia.
Em sessão extraordinária em 20 de agosto, o
clube aprova um manifesto de solidariedade à Polícia Militar do Piauí, que
estava em greve. O documento, expedido por telegrama, é publicado pelo “Correio
do Povo”, jornal de Dinarte Mariz, que fazia acirrada oposição ao Governo do
Estado.
Com a presidência do Clube, Gil acumulava a
Diretoria do “Grupo Renovador”, entidade criada pela assistente social Maria
das Dores Costa. Recorda Dorinha: “... Verifiquei
que eu tinha que partir para um trabalho de maior profundidade, mais coletivo.
Com frequência eu via soldados caírem durante a ordem unida. E me chegava às
reclamações; ‘D. Dorinha, o soldado fulano caiu durante o exercício, de fome’.
E esse tipo de reclamação se repetia. Foi criado, então, o chamado “Grupo
Renovador”. Percebi, no entanto, que havia uma quebra de hierarquia, porque o
grupo incluía do Soldado ao Tenente. Nele discutia-se tudo. Alimentação,
salário, saúde, etc. E até um jornalzinho foi fundado. Mas havia na cidade o
Clube dos Marinheiros, que procurou entrar em contato com o nosso pessoal com
interesse político. Enquanto isso, o clima no país foi se deteriorando com
reflexo no quartel, e eu fui perdendo o controle sobre o nosso grupo”.
Pressentindo
no ar sinais de anormalidade entre os seus comandados, o Coronel Luciano Veras
Saldanha chama o Sargento para uma conversa. Gil fala das reuniões que vêm
ocorrendo, da insatisfação com os baixos salários, etc. Como a situação estava
se tornando insustentável, o Sargento o convida para uma reunião no Clube.
Seria uma tentativa de atenuar o descontentamento da tropa, de evitar um
desfecho, prejudicial, inclusive, à saúde do Coronel, que recentemente sofrera
um distúrbio cardíaco. Com um não categórico, o Comandante recusa o convite e
declara: “No dia em que eu não puder
comandar a Polícia, eu deixo”.
Comentando as solenidades da “Semana da Pátria”, “A Ordem” publica
matéria explosiva para a ocasião, sob o título: “Fome e humilhação na Polícia Militar”. E prossegue o jornal da
Arquidiocese: “O título não mente: Na
Polícia Militar há fome. Fome que precisa urgentemente ser saciada... É impossível
manter e exigir de homens a quem não se paga nem ao mínimo que a lei
estipula... A situação é de autêntica calamidade”. O comentário de “A
Ordem” aumenta o descontentamento da corporação, levando a Diretoria do Clube a
convocar uma reunião extraordinária durante a qual é aprovada a redação de um
manifesto endereçado ao Governador reivindicando equivalência salarial às
polícias do Ceará ou Paraíba.
Na
manhã seguinte, ao chegar para o expediente, o Coronel Luciano é informado de
que a tropa o aguardava no refeitório dos praças onde lhe seria entregue o
documento aprovado na véspera. Acompanhado do oficial de dia, o Comandante é
recebido pelo Presidente do Clube à entrada da ampla sala de refeições.
Justificando, de início, a razão da mudança do local da formatura, o Sargento
passa a ler o manifesto. Mas não chega a terminar. E explica o Sargento Gil: “Foi nessa ocasião que a greve começou. Manhã
de 11 de setembro de 1963. Quando li que pedíamos salário igual ao das policias
do Ceará ou Paraíba, o Comandante me interrompeu bruscamente, dizendo: ‘Essa
não’! Em coro, a tropa gritou: ‘Essa sim’!
Alguns
oficiais mais chegados à tropa infiltram-se no movimento procurando conter os
excessos. Convencem, inclusive, uma minoria exaltada de desistir do plano de
retirar o Comandante do seu gabinete de trabalho e expulsá-lo do quartel.
Providenciam o recolhimento de todo o armamento no depósito do material bélico.
Com a adesão da oficialidade à greve, no dia seguinte a seu início um pouco de
ordem e disciplina retornam à corporação. Começa então a fase difícil de
negociações visando terminá-la o mais depressa. Representantes do Governador Aluízio Alves vão ao quartel negociar, sem resultado. Um dos emissários do palácio foi
o Coronel Ulisses Cavalcanti, Secretário de Segurança. Enquanto, de um plano
mais elevado, o Secretário falava aos militares, ordeiramente formados, um
Subtenente o interrompe, gritando lá no meio da tropa:
- Excelência, dá
licença?
- Pois não.
– responde o Coronel.
- De palavras
bonitas já estamos cheios!
E gritou:
- Tropa.
Sentido! Fora de forma. Marche!
À
noite, telefonemas de sargentos de unidades militares sediadas na capital
avisavam que suas respectivas guarnições se preparavam para cercar o quartel
nessa madrugada, para, ao amanhecer, ocupa-lo.
Ante a ocupação iminente, o Padre Manoel
Barbosa, Capelão da PM, convoca os grevistas, agora em ansiosa expectativa, e,
numa prelação tranquilizadora, apela para que as forças de ocupação sejam bem
recebidas. Nessa ocasião, cerca de duas horas da manhã, retira-se o último
negociador do governo, o Secretário da Fazenda Ângelo Varela. Com a saída do
Secretário, começam a aparecer os primeiros escalões do Exército comandados
pelo Coronel Mendonça Lima. Num clima de guerra, todo o bairro do Tirol acorda
sobressaltado pelo barulho da operação militar. Enquanto aviões B-29 sobrevoam
o quartel em vôo rasante, uma proclamação ameaçadora, transmitida por um
potente megafone, intima os grevistas a renderem-se no prazo de vinte minutos,
dispondo-se todos em frente ao quartel, em fileiras, voltadas para a igreja de
Santa Terezinha. O General Omar Emy Chaves, que participara também da operação,
cita o nome do Padre Manoel Barbosa na relação dos que deveriam ficar presos,
alguns em suas residências, sob palavra. O capelão, que ficou no quartel, foi
severamente repreendido pelo General. “Depois
de me chamar de líder desmoralizado, o General, que era o Comandante da
Guarnição Militar de Natal, deu uma esculhambação no Padre Manoel Barbosa e no
Dr. Pedro Germano”, recorda o ex-sargento Gil Xavier. A prisão do Capelão e
o tratamento que foi dispensado provocaram imediata reação do clero através da
seguinte nota oficial da Arquidiocese, assinada por Dom Eugênio Sales, lida em
todas as igrejas do Estado e publicada no jornal “A Ordem”:
“É do conhecimento dos fies desta
Arquidiocese os lamentáveis acontecimentos ocorridos ultimamente nesta capital,
com reflexo no interior, motivados pela greve da Polícia Militar e subsequente
repressão. Como se acha entre os detidos o Capelão da referida corporação
militar, Padre Manoel Barbosa de Vasconcelos, o Governo Arquidiocesano cumpre o
dever de informar que aprova a sua atitude sacerdotal e sente-se honrado em
conta-lo entre os seus mais próximos e eficientes colaboradores. Os termos
descorteses com que foi tratado, frente à tropa, na manhã de hoje, não o
atingem. Essa prisão e suas circunstâncias, embora provoquem indisfarçável
mal-estar aos católicos, especialmente os da Paróquia de Santa Terezinha, devem
ser estímulo à confiança nas forças do espírito. Fiéis à missão de evangelizar,
peçamos a Deus dias melhores para a nossa terra. Dom Eugênio de Araújo
Sales – Administrador Apostólico de Natal. Natal, 13 de setembro de 1963.”
Depois
de encontrar-se todo o Batalhão em forma, em cumprimento à intimação recebida,
Mendonça Lima indaga ao Coronel José Reinaldo sobre os armamentos da
corporação.
“Excelência
– responde o Coronel da PM – as nossas
armas é a fome”.
A resposta do novo Comandante, que substituíra Luciano
Saldanha, foi seguida de emocionado aperto de mão.
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(*) Do livro: “HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NA HISTÓRIA”.
Autor: José de Anchieta Ferreira. Editado pela RN Gráfica e Editora
Ltda. Natal – RN – 1989.
(Texto reproduzido na íntegra)
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