- A HISTÓRIA DE ERNANI -
AUTOR DESCONHECIDO
Certa vez, trabalhei em uma pequena empresa de Engenharia. Foi
lá que fiquei conhecendo um rapaz chamado Mauro. Ele era grandalhão e gostava
de fazer brincadeiras com os outros, sempre pregando pequenas peças. Em um
feriado prolongado, Mauro resolveu ir pescar no Pantanal. Antes, nos prometeu
que, se conseguisse sucesso, iria dar um pouco do resultado da pesca para cada
um de nós.
No seu retorno, ficamos todos muito animados quando vimos que
ele havia pescado alguns dourados enormes. Mauro, entretanto, levou-nos para um
canto e nos disse que tinha preparado uma boa peça para aplicar no Ernani.
Mauro dividira os dourados, fazendo
pacotes com uma boa porção para cada um de nós.
Mas, a ‘peça’ programada era que ele havia separado os restos
dos peixes num pacote maior, à parte.
- Vai ser muito engraçado quando o Ernani desembrulhar esse
‘presente’ e encontrar espinhas, peles e vísceras!, – disse-nos Mauro, que já
estava se divertindo com aquilo.
Mauro então distribuiu os pacotes no horário do almoço. Cada um
de nós, que ia abrindo o seu pacote contendo uma bela porção de peixe, então
dizia: – Obrigado!
Mas o maior pacote de todos, ele deixou por último. Era para o
Ernani. Todos nós já estávamos quase explodindo de vontade de rir, sendo que
Mauro exibia um ar especial, de grande satisfação. Como sempre, Ernani estava
sentado sozinho, no lado mais afastado da grande mesa. Mauro então levou o
pacote para perto dele, e todos ficamos na expectativa do que estava para
acontecer.
Ernani não era o tipo de muitas palavras. Ele falava tão pouco
que, muitas vezes, nem se percebia que ele estava por perto. Em três anos, ele
provavelmente não tinha dito nem cem palavras ao todo.
Por isso, o que aconteceu a seguir nos pegou de surpresa. Ele
pegou o pacote firmemente nas mãos e o levantou devagar, com um grande sorriso
no rosto. Foi então que notamos que seus olhos estavam brilhando. Por alguns
momentos, o seu pomo de Adão se moveu para cima e para baixo, até ele conseguir
controlar sua emoção.
- Eu sabia que você não ia se esquecer de mim – disse com a voz
embargada. Eu sabia você é grandalhão e gosta de fazer brincadeiras, mas sempre
soube que você tem um bom coração. Ele engoliu em seco novamente, e continuou
falando, dessa vez para todos nós. Eu sei que não tenho sido muito
participativo com vocês, mas nunca foi por má intenção.
Sabem… Eu tenho cinco filhos em casa, e uma esposa inválida, que
há quatro anos está presa na cama. E estou ciente de que ela nunca mais vai
melhorar.
Às vezes, quando ela passa mal, eu tenho que ficar a noite
inteira acordado, cuidando dela. E a maior parte do meu salário tem sido para
os seus médicos e os remédios.
As crianças fazem o que podem para ajudar, mas tem sido difícil colocar comida
para todos na mesa.
Vocês talvez achem esquisito que eu vá comer o meu almoço sozinho, num canto… Bem, é que eu fico meio envergonhado, porque na maioria das vezes eu não tenho nada para pôr no meu sanduíche.
Vocês talvez achem esquisito que eu vá comer o meu almoço sozinho, num canto… Bem, é que eu fico meio envergonhado, porque na maioria das vezes eu não tenho nada para pôr no meu sanduíche.
Ou, como hoje, eu tinha somente uma batata na minha marmita. Mas
eu quero que saibam que essa porção de peixe representa, realmente, muito para
mim. Provavelmente muito mais do que para qualquer um de vocês, porque hoje à
noite os meus filhos… Ele limpou as lágrimas dos olhos com as costas das mãos.
– Hoje à noite os meus filhos vão ter, realmente, depois de alguns anos… e ele
começou a abrir o pacote…
Mas eu quero que saibam que essa porção de peixe representa,
realmente, muito para mim. Provavelmente muito mais do que para qualquer um de
vocês, porque hoje à noite os meus filhos… Ele limpou as lágrimas dos olhos com
as costas das mãos. -Hoje à noite os meus filhos vão ter, realmente, depois de
alguns anos… e ele começou a abrir o pacote… Nós tínhamos estado prestando
tanta atenção no Ernani, enquanto ele falava, que nem havíamos notado a reação
do Mauro.
Mas agora, todos nós percebemos a sua aflição quando ele saltou
e tentou pegar o pacote das mãos do Ernani. Mas era tarde demais. Ernani já
tinha aberto e pacote e estava, agora, examinando cada pedaço de espinha, cada
porção de pele e de vísceras, levantando cada rabo de peixe.
Era para ter sido tão engraçado, mas ninguém riu. Todos nós ficamos olhando para baixo. E a pior parte foi quando Ernani, tentando sorrir, falou a mesma coisa que todos nós havíamos dito anteriormente: – Obrigado!
Era para ter sido tão engraçado, mas ninguém riu. Todos nós ficamos olhando para baixo. E a pior parte foi quando Ernani, tentando sorrir, falou a mesma coisa que todos nós havíamos dito anteriormente: – Obrigado!
Em silêncio, um a um, cada um dos colegas pegou o seu pacote e o
colocou na frente do Ernani, porque depois de muitos anos nós havíamos, de
repente, entendido quem era realmente o Ernani. Uma semana depois, a esposa de
Ernani faleceu. Cada um de nós, daquele grupo, passou então a ajudar as cinco
crianças. Graças ao grande espírito de luta que elas possuíam, todas
progrediram muito:
Carlinhos, o mais novo, tornou-se um importante médico.
Fernanda, Paula e Luisa montaram o seu próprio e bem-sucedido
negócio: elas produzem e vendem doces e salgados para padarias e supermercados.
O mais velho, Ernani Júnior, formou-se em Engenharia. sendo que,
hoje, é o Diretor Geral da mesma empresa em que eu, Ernani e os nossos colegas
trabalhávamos.
Mauro, hoje aposentado, continua fazendo brincadeiras.
Entretanto, são de um tipo muito diferente: ele organizou nove grupos de
voluntários que distribuem brinquedos para crianças hospitalizadas e as
entretêm com jogos, estórias e outros divertimentos.
Às vezes, convivemos por muitos anos com uma pessoa, para só
então percebermos que mal a conhecemos. Nunca lhe demos a devida atenção. Não
demonstramos qualquer interesse pelas coisas dela. Ignoramos suas ansiedades ou
seus problemas. Repasso a história de Ernani, para que vejamos se não somos um
pouco como Mauro e seus companheiros.
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