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quarta-feira, 3 de maio de 2017

POESIA POPULAR NORDESTINA

- TRANCA RUA -
 Amazan

Eu aind’era menino
A primeira vez que vi
Um cabocão lazarino
Que nunca mais esqueci.
Chamava-se Tranca Rua
Pois quando a vontade sua
Era fechar a cidade
Dava ordem pra trancar
Mercado, bodega, bar
Até a casa do pade.
- - - x - - -
Quatro, cinco, seis sordado
Para ele era perdido
Uns saía arrebentado
Outros ficava estendido
De forma que a cidade
Não tinha tranquilidade
No dia que ele bebia
Pois quando se embriagava
Dava a gôta, bagunçava
E prendê-lo ninguém podia.  
- - - x - - -
Tranca Rua era um cabôco
Com dois metro de artura
Os braço era aqueles tôco
As perna dessa grossura
Num tinha medo de nada
Pois até onça pintada
Ele sozinho caçava
Pegava a bicha de mão
Depois com um cinturão
Dava uma pisa e matava.
 - - - x - - -
E sei que criei-me escutando
Falar do cabra voraz
O tempo foi se passando
E eu tornei-me rapaz
Mole que só a mulesta
Até pra ir a uma festa
Eu era desconfiado
Se acaso eu visse uma briga
Tinha logo uma fadiga
Ficava todo mijado.
 - - - x - - -
Hoje quem olha pra mim
Pensa até que eu tô inchado
Pois eu nunca fui assim
Naquele tempo passado
Eu era um caba mufino
Desses do pescoço fino
Da cabeça chata e feia
Na região que eu morava
O povo só me chamava
De caboré de urêia.
 - - - x - - -
Por arte dos mangangá
Um dia eu me alistei
No concurso militar
Apois num é que eu passei!
Tornei-me então um soldado
Magro fêi e infadado
Nem cum revólve podia
Porém se o chefe mandasse
Prender alguém que errasse
Eu dava a gôta, mas ia.
 - - - x - - -
Uma certa madrugada
Eu estava bem deitado
Quando chegô Zé Buchada
Com os ói arregalado
Foi logo chamando a gente
Depois deu parte ao Tenente
Relatou o dermantelo:
– Tranca Rua ontem brigou
Portanto agora o senhor
Vai ter que mandar prendê-lo.
 - - - x - - -
O tenente olhou pra mim
Eu chega tive um abalo.
Disse: – Amanhã bem cedim
Você vá lá intimá-lo!
Disse isso e foi deitá
Eu peguei logo a ficá
Amarelo e mêi cansado
Me deu uma tremedêra
Eu digo: – É a derradêra
Viage desse sordado!
 - - - x - - -
E de manhã logo cedo
Botei o pé no camim
Saí tremeno de medo
E conversano sozim.
Aqui acolá parava
Fazia uns gesto ensaiava
O que diria pra ele
E saí me maldizeno
Nove hora mais omeno
Eu cheguei na casa dele.
 - - - x - - -
Fui chegano com cuidado
A porta tava fechada
Ispiei assim pum lado
Vi ele numa latada
Tava dum bode tratano
Eu fui me aprochegano
Pra perto do fariseu
Minha garganta tremia
Eu fui disse assim: – Bom diiia!
Ele nem arrespondeu.
 - - - x - - -
Eu fui peguei conversano
E me aprochegano mais
E ele lá trabaiano
Sem me dar nenhum cartaz.
Eu digo: – Bonito dia
Mas seu Antônhe, quem diria
Que esse ano ia chovê?
Eita que bodão criado
É pra vendê no meicado
Ou mode o sinhô comê?
 - - - x - - -
Ele foi olhô pra mim
Eu comecei a surri
Aí ele disse mermo assim:
– Que diabo tu qué aqui?
Eu fui disse: – Não sinhô
É que eu sô um caçadô
Moro lá do pé da serra
Me perdi de madrugada
Não achei mais a estrada
Vim saí nas suas terra.


 - - - x - - -
Aí ele foi me interrogô:
– Então cadê seu bisaco?
Eu fui disse: – Não sinhô
Ah sim, caiu num buraco.
Aí ele disse: – sente aí
Que eu vô terminá aqui
Mode dispois cozinhá
E você chegô agora
Portanto só vai imbora
Adispois que armunça.
 - - - x - - -
Quando nós tava armunçando
Ele pegô conversá
E disse: – Faz vinte ano
Que eu moro nesse lugá
Sem mulhé e sem parente
Às vezes tomo aguardente
Faço papé de bandido
Eu sei que é covardia
Mas porém no ôtro dia
Fico munto arrependido.
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Onte mermo sem querê
Eu fiz umas presepada
Pois comecei a bebê
Cana com lambu assada
Depois perdi os sentido
Fiz o maió distampido
Na fazenda de Noronha
Hoje me sinto com curpa
Não vô lá pidi discurpa
Porque estô cum vergonha.
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Aí eu disse: – É agora
Que eu faço a minha defesa!
Peguei a fera na hora
Do momento de fraqueza
E disse assim: – Realmente
O sinhô é diferente
Quando tá embriagado
Mas dêxe isso pra lá
Que a vida vive a passá
E o que passou tá passado.
 - - - x - - -
Viu seu Antonhe, tem mais uma
Eu nunca fui caçador
Também estou com vergunha
De tê mentido ao sinhô.
Eu sô um pobre sordado
Que as orde do delegado
Meu devê é dispachá
Porém prefiro morrê
Do que dizê a você
Que vim aqui lhe intimá.
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Se o delegado achá ruim
Pode tirá minha farda
Mas intimá seu Tohim
Deus me livre, intimo nada!
Nisso Antonhe se levantô
Bebeu água, se sentô
Depois pegô perguntá:
Qué dizê que o sordado
Por orde do delegado
Veio aqui me intimá?
 - - - x - - -
Eu fui fala, mas num deu
Comecei a gaguejá
Nisso Antonhe olhô pra eu
E disse: – Pode se acalmá!
Resolvi ir cum você
Pra conversá e sabê
O que qué o delegado
Pois se eu num fô camarada
Vão tirá a sua farda
E eu vô me senti culpado.
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E vamo logo simbora
Enquanto eu tô cum vontade.
Mais omeno as quatro hora
Fumo entrano na cidade.
De longe eu vi o tenente
Assentado num batente
Com uns caba a conversá
Mas quando viu nós gritô:
Valei-me Nosso Sinhô
Ispi quem vem acolá.
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Eu só tô acreditano
Porque meus ói estão veno
Tranca Rua vem chegano
Caboré vem lhe trazeno.
O cabra é macho demais!
Nisso eu fui passei pra trás
Mode chamá atenção
E para me amostrá
Inventei de impurrá
Tranca Rua cum a mão.
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Esse nêgo, camarada
Ficô mêi infurecido
Deu-me uma chapuletada
Pru riba do pé duvido
Que eu saí feito um peão
Rodano sem direção
Pru riba de peda e pau
Graças a Virge Maria
Acordei no ôtro dia
Na cama dum hospital.
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Não sei o que aconteceu
Na hora que eu dirmaiêi
Pruque ninguém me contô
Eu também num perguntei
Só sei que o delegado
Inda hoje é alejado
E que esse uvido meu
Nunca mais iscutô nada
Pur causo da burduada
Que Tranca Rua me deu.

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(Amazan Produções © Todos os direitos reservados)

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